Do que me amarra

Eu acredito em anjos. Uma afirmação um pouco duvidosa vinda de alguém que se diz tão cética (mas nem tanto rs). Sim, acredito. Porque os anjos que a mim foram apresentados, não tem nada de divino, não são adornados com asas brancas ou auréolas indicando algo de santo e casto. Eles são de carne e osso, são terrenos, cheios de defeitos e mais ainda de qualidades. Eles vieram a mim fantasiados de mãe, pai, irmãos, primos que parecem irmãos, tias e dindas que parecem mães e amigos, uma boa e suficiente dose destes.

Como eu costumo dizer não é muito fácil dar conta desse mundo ao avesso. Mas eles arrefecem intranquilidades, estando longe ou perto, e me dão ar para encher os pulmões e continuar os dias. Pois meus dias, de uma tripulação inteira carecem. E é preciso que assim se mantenha, para que eu possa caminhar sem que os trilhos descarrilhem, como já lhes disse outras tantas vezes. Por todos os bons sentimentos que vocês direcionam a mim, anjos dos meus dias, sou imensamente grata!

Nesse caminho que resolvi percorrer durante esses “5 anos” (porque prazos foram feitos pra não serem cumpridos rs), fui me compondo de inúmeros pedaços que, em grande maioria, encontrei pelos corredores da universidade, pelas estradas que me levavam até ela e em alguns espaços pouco prováveis. O que ficou em mim, pouco tem a ver com matérias passadas em uma sala de aula.

O que ficou, e por toda vida permanecerá, foram as discussões frutíferas (ou nem tanto), as conversas compartilhadas, as opiniões defendidas com veemência e logo depois alteradas, a importância da integridade e da coerência, a possibilidade de um lado pra lutar e a crença em ideais.

Todos esses pedaços de que me fui compondo, foi me dado pelas pessoas que encontrei. São estes os laços que me amarraram, é por isso que penso ter válido a pena, e por isso me sinto agradecida.

A parte chata houve, sempre há em alguma medida. Mas ela não cabe em minhas boas lembranças.

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Chamado a esperança

Vem de lá do outro lado
e abraça com teus braços fortes e longos
cada um que acorda todo dia
com os olhos manchados de passado
e turvos de futuro.

Vem,
traz a bebida doce de que é feita
e embriaga essa gente
para que as horas sejam menos pesarosas
e o caminho de volta menos duro.

Não se esconda,
não se faça de rogada
tu só é verdade quando permanece aqui,
face a face com o desengano,
ou o espreitando em cada curva.

Cumpre teu papel,
consola esse povo
e os impeça que digam nunca.

 

Dias como estes me doem.

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Anatomia do instante IV

me seja 
e sinta.
me cura
me sutura 
me alivia de ser.

se mova
e venha.
se solta
se ceda 
se desprenda de si.

me derramo
e me dano.
[que] se dane
se derrame
sobre mim 

nos doamos
e transbordamos.
nos absorvamos
nos findamos
enlaçados transformados em nós.

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há sempre algo de sóbrio na embriaguez…

Os sofrimentos do jovem Werther - Goethe

 

[Os sofrimentos do jovem Werther – Goethe]

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Anatomia do instante III

A gente se olha,
se encosta
e se reconhece.

A gente se abraça,
se afaga
e se compadece.

A gente ri
porque a gente rima.

Parecemos par,
mesmo sendo ímpar.

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Manoel,

escrevi certa vez que eu beberia o mundo inteiro num gole só tamanha era minha sede de infinito. Escrever metáforas assim é fácil, difícil mesmo é saber senti-las. E isso, aprendi contigo. Aprendi que a gente deve ser árvore e não parede, que é possível carregar água na peneira, que um quintal pode ser maior que o mundo, que podemos definir nosso estado como anoitecido ou amanhecendo, ou até mesmo como lua cheia crescente, que rios são cobras de vidro, que a gente é rascunho de pássaro, que a reta é uma curva que não sonha.

Ô olhos miúdos, você me ensinou a sentir as sutilezas da vida. Aquelas que, quando no papel, só cabem nas metáforas. E não há palavra, mesmo inventada, que consiga expressar minha gratidão. Permaneça aqui por mais um tempo, para que possamos enxergar com os teus olhos.

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Condição esperançosa

O relógio de pulso quebrou. E o pulso parou de pulsar. Não é mais o coração, “sede da afetividade”, que o faz humano. Humanidade só cabe no poema, na arte como simples deleite. Dilema que circunda a condição da distância fria entre os seres. 

Mas quando a nudez se apresenta, todos ainda são corpos. Onde se desenham marcas distintas do dia mecanizado. E a pele, superfície intacta, cobre o que deveras foi ferido. O avesso só é visto pelo próprio reflexo no espelho. O sol ofusca as vistas, impedindo que se vejam como iguais à luz do dia. No escuro, sozinhos, se despem. É chegada a hora de perceber que, quando a nudez se apresenta, todos ainda são corpos.

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Cada peça no varal
deixa escorrer uma lembrança
do corpo que a usou,
transformando o chão
numa poça de recordações.

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Drummond,

não sei se me assusto ou me emociono com as convergências da vida. Confesso que, por vezes, me assusto. Hoje, ao pegar o ônibus, continuei a ler “Durante aquele estranho chá”. Guardei o encontro da Lygia contigo para ser a ultima leitura. Queria terminar o livro tendo a plena certeza de que não me esqueceria de detalhe nenhum. E ontem, veja só, havia escrito sobre você. Não exatamente sobre a sua pessoa, mas sobre a minha. O seu efeito sobre mim. No caminho pra casa, ao terminar de ler o texto da Lygia, só consegui pensar em te escrever. Questioná-lo sobre sua intencionalidade ou não em promover mudanças demasiadamente intensas em duas almas tão distintas. E em quantas almas mais?! Mas, penso que não posso. Há tanta identificação ali que qualquer comentário meu seria quase uma transcrição. Por isso, me desvio dessa tarefa. Só digo-te que, se mais páginas o texto da Lygia tivesse, mais distante eu teria que morar, pois não conseguiria descer em meu ponto antes do ponto-final dela.

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O texto se refere a uma carta, dessa vez enviada:
“Quem primeiro me fez enxergar e, principalmente, sentir as dores do mundo não foi nenhum grande teórico político ou algo que se assemelhe. Foi esse humilde poeta. Há muitos anos atrás, ainda na escola, enquanto a professora de literatura me apresentava todo o lirismo dos poetas românticos ou dos razoavelmente modernos, a bibliotecária me presenteou com “A rosa do povo”. O primeiro poema que li, ainda na biblioteca, foi “Nosso tempo”. Nesse mesmo dia tomei Drummond para mim. E foi ele, com toda sua poesia sincera, que me inseriu no mundo real e me ensinou que, apesar dos pesares, podemos sim fazer poesia a partir dele. De uma maneira diferente, é o que tenho aprendido com você também, que há um jeito de fazer o mundo ser mais tolerável. Os dois trouxeram beleza a minha forma de ver as mudanças, Drummond pela poesia, você pelas ações (…)”

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A mesma luz que ilumina minha escrivaninha,
ilumina também as ruas por onde passam as
pessoas de que escrevo.

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