A vocês,

que me fizeram uma habitante de Macondo; que fizeram eu me sentir amiga dos magimbinhos e cruzar tantas vezes a porta mágica da Mariana; que me deixaram descobrir que Drummond carrega o peso do mundo como eu; que me mostraram o que era amor verdadeiro através de um velho solitário, em Memórias de minhas putas tristes; que o Evangelho segundo Jesus Cristo era o presente que eu queria ter dado ao meu catequista; que todo carteiro merecia ter um amigo como Neruda; que é possível dizer tudo o que se sente em uma poesia tão breve quanto a respiração, assim como faz Leminski; que o meu mundo e o de Sophia é bem mais do que os olhos conseguem enxergar; que todo mundo já se sentiu solitário como as Meninas da Lygia, e mais, que o lado árduo e doloroso da vida pode ser escrito lindamente; que é preciso transpor o estado de cegueira para se chegar a lucidez, como nos ensina Saramago; que o número 42 guarda um grande segredo; que poucos autores compreendem as relações como Kundera; que nenhuma outra mulher terá olhos tão expressivos e conseguirá ser tão fantasticamente dissimulada quanto Capitu; que todo mundo pode ter amigos leais como a Dorothy; que a Anne Frank apesar de todas as circunstancias, foi uma adolescente como eu; que todo mundo carrega um pouco do Dom Quixote; o desejo de que os Jean Valjean fossem mais comuns; que o Apanhador no campo de centeio fez a sociedade notar a juventude como deveria; que Marcelo Rubens Paiva conseguiu dizer um belo “feliz ano velho”; que me fizeram querer George Orwell como meu professor na faculdade; que a liberdade dos capitães da areia caminhava junto com as desgraças da vida; que José de Alencar não foi um mero escritor; que Londres fica mais interessante se você é amigo do Oliver Twist; que a Revolução Francesa ganha um novo sentido se conhecemos seus bastidores em A sombra da guilhotina; que O mundo de ponta-cabeça mostra o nascer de uma revolução dentro de outra; e tantas outras coisas que eu não conseguiria descobrir sozinha, tantos lugares que minhas pernas não conseguiriam alcançar.

A vocês, livros que já li e que ainda lerei, minha sincera gratidão.

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Um poeta não precisa do silêncio.
Não precisa da rua esvaziada,
da calçada gélida depois de uma noite de boemia.
Nem da garoa, ou de uma lua que encha o céu.
Não precisa de uma taça de vinho e cigarros,
ou a solidão de um apartamento.
Não precisa de amores, ou desamores próprios.
Nem da dor de um mundo ao avesso.
[Então, por que razão eu, logo eu, precisaria?!]

Um poeta não precisa de nada que não seja o grito atroador da voz de dentro, que ecoando em seus ouvidos vira poesia e respinga,
encharca corpo e alma.
[E como ele, também me inundo]

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se acaso lembrar meu endereço, passe por aqui

Se você viesse outra vez e batesse em minha janela, como antes fazia por discrição ou romantismo, te faria um pedido. E não acredito que me negaria amparo,  já que por tanto tempo me abstive de te exigir o mínimo que fosse.

Me ensina a equilibrar essa tranqüilidade de fora com o turbilhão que vivo por dentro?

Quisera eu acreditar que não rasgou meu endereço quando te virei as costas. Meu fatalismo congênito não me faz tão esperançosa. Mas, se acaso lembrar meu endereço … passe por aqui.

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das coisas que eu queria na vida

Shakespeare and Company –   Paris, França

“em troca de algumas horas de trabalho, aspirantes à escritores podem passar uma temporada morando na livraria e respirando o pó dos velhos livros”

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Em cantos,

quantos há?

Em trancos e barrancos,

quantos vão?

Em prantos,

quantos são?

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Cadê o sentido?

Essa única gota de gosto salgado transborda o corpo. Talvez por isso ele pese. Talvez por isso ele só consiga se arrastar pelos dias. Minha única paixão e intento tem sido o sossego. Do corpo e da alma. Mas, há um barulho ensurdecedor lá fora, que grita meu nome incessantemente e não me deixa parar. Não me deixa sequer descansar de mim.

Hoje falta valentia para olhar através da janela. Hoje sobram tantas faltas. E só de lembrar que há alguns anos essa valentia revestia os pés, o nó vem a garganta. É desatado por afagos na cabeça com minhas próprias mãos, enquanto a boca repete: no final dá tudo certo de algum jeito. Será isso convicção?! Uma certeza tão efêmera quanto os dias.

Travo monólogos intermináveis, que só findam quando a saliva seca, numa tentativa tola de entender o modo como me comporto. Lateja uma inveja de quem traça uma linha e anda por ela, daqueles que vão se equilibrando na corda bamba da vida, sempre em frente. Quanto a mim?! Procuro em caixas velhas desenhos inacabados, cuja competência para finalizar se esvaiu, leio escritos de outrora, ouço canções, antigas trilhas sonoras… coisas que há muito não fazem mais sentido.

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a meus amigos

Se em um olhar tu não reconhecesse minha palavra, diria que cego estava. E ao passar por teus braços nenhum abraço recebesse, alguma deficiência te habitava. Tuas pernas  vem ao meu encontro e relevam sentimentos, sem distinção de intensidade. E ao passo que arrefece intranquilidades com tua voz longe ou perto, enche de ar meus pulmões para mais uma manhã. Pois meus dias, de uma tripulação inteira carecem. E é preciso que assim se mantenha, para que eu possa caminhar sem que os trilhos descarrilhem.

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o que se dizia sobre heróis

“Robespierre – (…) e as vezes penso que a supressão da personalidade individual é o que se deve desejar, não o status de herói, uma espécie de extinção do individuo na História. Todo o registro da raça humana foi falsificado, foi criado por maus governos à sua conveniência, por reis e tiranos para lhes dar um bom nome. Essa ideia de História feita por grandes homens é bastante absurda quando se olha do ponto de vista do povo. Os verdadeiros heróis são aqueles que resistiram aos tiranos , e está na natureza da tirania não só matar os que se lhe opõem como apagar seus nomes dos registros, para que a resistência pareça impossível. Camille, a história é uma ficção.”

 [A sombra da guilhotina – Hilary Mantel]

 

 

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Querido José,

hoje me veio à coragem que precisava para assistir a ti e a tua Pilar. Podes achar exagero da minha parte, mas desde que um querido amigo me presenteou com estas cenas, venho tentando assisti-las e não consigo. Essa covardia é de grande estranheza pra mim, pois sempre que pude estreitar o contato contigo, o fiz. Mas desde que foi embora, sinto essa pusilanimidade (palavra que aprendi contigo, por mais estranho que pareça, já que nunca ti vi compartilhar desse sentimento) perante a ti e a teus escritos. Não consigo te encarar. Essa semana em uma das aulas de um professor que parece nutrir certa afeição por ti foi transmitida algumas imagens e falas tua. Senti-me aliviada por chegar atrasada e contemplar pouco teu rosto na tela. Às vezes sinto como se tuas falas fossem apenas ficção literária. Não digo em tom de menosprezo, sabe como poucos o valor que dou a ela. Literatura é um dos meus bálsamos. Atribuo isso ao fato de que era tua presença que me fazia crer na verdade das coisas. Essa verdade com que você me presenteava. Nunca me faltou uma opinião tua quando eu me perdia em minhas convicções. Às vezes você não era tão claro, mas na hora certa se fazia entender, bastava ter paciência. E eu tinha. Quantas vezes senti tua mão sobre a minha cabeça acalentando esperanças, e tua voz preguiçosa dizendo “dê tempo ao tempo, todas as coisas do universo acabarão por se encaixar umas nas outras”. Desse modo fiz. Desse modo ainda faço. Eu te via deixando os dias acabarem, para ver o que viria no outro e assim pensar em como poderia lidar com ele, e eu fazia o mesmo. Mas já não parece ser tão fácil. Na película, ainda no inicio, quando na tela vemos o que se parece com o universo ou uma galáxia, você começa a dizer até se abrir em seu rosto: “Miedo? Nada… nada… No me gusta nada, claro, evidentemente. Miedo no. Hay uma cosa que realmente no me gusta nada, que es cuando se dice: “Ah, estar vivo, morir y todo eso…” Para mi la muerte es… No sé que será… sería depués… Pero mí la muerte, ahora mismo, es la diferencia entre haber estado y ya no estar. Eso es lo que, realmente es que cabrea muchísimo”. E foi aí, já no inicio, que chorei. Chorei porque mais uma vez compartilhei contigo do mesmo sentimento. Chorei por perceber que a única coisa que te fazia recuar, mesmo não tendo medo, é essa nossa efemeridade. E chorei por fim, por ter acontecido contigo. Pra mim tu ainda és, mesmo não estando. Ainda é a pessoa honesta e sem demagogias, simples, sem retórica. Que oferece água aqueles que têm sede. A mais límpida água. Queria ter tido tempo de ir a Lanzarote ver-te. Este lugar que por um ato estúpido de degredo, você transformou em lar, e acabou por assimilar a paisagem. Queria que compartilhasse comigo aquele céu que me disse poder “ver por inteiro e não em fatias”.
Por que tantos verbos no passado, José? Quem me dera poder conjugá-los todos no presente e te dar, depois de tudo que já ganhou, o que mais queria, “tiempo y vida”. Mas seguindo teus sábios conselhos “não digamos palavras, suspiremos apenas. Porque o tempo nos olha”. E eu suspirarei toda vez que te ver por aí, sem estranheza, sem covardia.

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Ideologias

são como botes salva-vidas furados. Eles te salvam de uma embarcação que está afundando, mas logo adiante também afundam, te deixando à deriva. Cabe a você escolher se espera por outro bote furado ou nada sozinho até a margem… e finalmente,  se salva.

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