Querido José,

hoje me veio à coragem que precisava para assistir a ti e a tua Pilar. Podes achar exagero da minha parte, mas desde que um querido amigo me presenteou com estas cenas, venho tentando assisti-las e não consigo. Essa covardia é de grande estranheza pra mim, pois sempre que pude estreitar o contato contigo, o fiz. Mas desde que foi embora, sinto essa pusilanimidade (palavra que aprendi contigo, por mais estranho que pareça, já que nunca ti vi compartilhar desse sentimento) perante a ti e a teus escritos. Não consigo te encarar. Essa semana em uma das aulas de um professor que parece nutrir certa afeição por ti foi transmitida algumas imagens e falas tua. Senti-me aliviada por chegar atrasada e contemplar pouco teu rosto na tela. Às vezes sinto como se tuas falas fossem apenas ficção literária. Não digo em tom de menosprezo, sabe como poucos o valor que dou a ela. Literatura é um dos meus bálsamos. Atribuo isso ao fato de que era tua presença que me fazia crer na verdade das coisas. Essa verdade com que você me presenteava. Nunca me faltou uma opinião tua quando eu me perdia em minhas convicções. Às vezes você não era tão claro, mas na hora certa se fazia entender, bastava ter paciência. E eu tinha. Quantas vezes senti tua mão sobre a minha cabeça acalentando esperanças, e tua voz preguiçosa dizendo “dê tempo ao tempo, todas as coisas do universo acabarão por se encaixar umas nas outras”. Desse modo fiz. Desse modo ainda faço. Eu te via deixando os dias acabarem, para ver o que viria no outro e assim pensar em como poderia lidar com ele, e eu fazia o mesmo. Mas já não parece ser tão fácil. Na película, ainda no inicio, quando na tela vemos o que se parece com o universo ou uma galáxia, você começa a dizer até se abrir em seu rosto: “Miedo? Nada… nada… No me gusta nada, claro, evidentemente. Miedo no. Hay uma cosa que realmente no me gusta nada, que es cuando se dice: “Ah, estar vivo, morir y todo eso…” Para mi la muerte es… No sé que será… sería depués… Pero mí la muerte, ahora mismo, es la diferencia entre haber estado y ya no estar. Eso es lo que, realmente es que cabrea muchísimo”. E foi aí, já no inicio, que chorei. Chorei porque mais uma vez compartilhei contigo do mesmo sentimento. Chorei por perceber que a única coisa que te fazia recuar, mesmo não tendo medo, é essa nossa efemeridade. E chorei por fim, por ter acontecido contigo. Pra mim tu ainda és, mesmo não estando. Ainda é a pessoa honesta e sem demagogias, simples, sem retórica. Que oferece água aqueles que têm sede. A mais límpida água. Queria ter tido tempo de ir a Lanzarote ver-te. Este lugar que por um ato estúpido de degredo, você transformou em lar, e acabou por assimilar a paisagem. Queria que compartilhasse comigo aquele céu que me disse poder “ver por inteiro e não em fatias”.
Por que tantos verbos no passado, José? Quem me dera poder conjugá-los todos no presente e te dar, depois de tudo que já ganhou, o que mais queria, “tiempo y vida”. Mas seguindo teus sábios conselhos “não digamos palavras, suspiremos apenas. Porque o tempo nos olha”. E eu suspirarei toda vez que te ver por aí, sem estranheza, sem covardia.

2 Comentários

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2 Respostas para “Querido José,

  1. Lindo texto, dani! Uma das coisas mais belas que já li! Esse filme me marcou muito também.

  2. Eu não sei o que dizer, não tenho nada a acrescentar… queria só registrar o quão delicado esse pedaço de expressão endereçada é, e o quão maravilhoso deve ser receber palavras assim tão singelas e sentimentais e francas. Linda a sua relação com ele.

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